Questões do Encontro Problematização: Existe uma oposição capital inscrita na reflexão das mídias, seja ela apontada na obra de Vilém Flusser, no Brasil, ou, na França, por Dominique Wolton, e percebida, já faz 60 anos, por André Leroi-Gourhan. O aumento acelerado das capacidades de cálculo (Lei de Moore), dos conteúdos disponíveis e dos meios de acessá-los incita os indivíduos a implementar sua subjetividade, sua criatividade e suas capacidades colaborativas. O reino das telas iniciou, e, se a televisão creditava ainda a existência de uma “realidade exterior”, os ambientes eletrônicos imersivos são essencialmente autorreferenciais. Eles acompanham uma evolução que alguns pensaram como o advento das “não-coisas” no centro de nossas existências. Ao problematizar esta questão, no momento em que seu país natal recuperava a liberdade, Flusser a considera mais central que qualquer questão política ou diplomática. Eis-nos aqui: cinquenta anos em que a humanidade mergulhou em um tempo tal, que o tempo comum cessou de ser aquele das comunidades de proximidade – o vilarejo, o ofício, o bairro – para tornar-se o tempo de uma atenção captada pelas diversas mídias que se tornam hegemônicas na programação de nossas existências. Problematizar a questão da temporalidade das telas repensa esta evolução radical das sociedades humanas sob influência da informática e das redes.
GT 1 – Fotografia, pintura, desenho, quadrinhos
1. O excesso contemporâneo da circulação das imagens e a redução da atenção que podemos dar a cada uma delas nos permite ainda ter acesso às intenções de seus criadores? A representação do tempo esteve sempre no coração das imagens: cenas religiosas, paisagens e pores-do-sol, retratos... variadas indicações nas quais o tempo está presente. Como perceber essas intenções atualmente, quando as imagens nos chegam em um fluxo permanente?
2. Walter Benjamin evocava há quase um século a aura das obras ligada à sua unicidade. Mas nossa sociedade das imagens aboliu esta aura e multiplicou a circulação das imagens. Tal circulação seria o resultado dos esforços de criadores de todas as épocas para estilizar o mundo, ou a circulação das imagens tornou-se um obstáculo para nossas capacidades interpretativas? Como arbitrar entre abandonar-nos a este fluxo e nos atermos a escolhas sempre relativas? Tornamo-nos programadores de nossos universos culturais singulares, ou seríamos o último elemento das bases comunicacionais das quais participamos?
3. Encarnar uma ideia em uma imagem sempre requereu técnicas. Mas a facilidade das ferramentas digitais para associar as obras do passado a colagens e transformações digitais não incitaria a renunciar à exigência de singularidade, que fez o essencial das criações artísticas até nosso tempo, em favor de uma multidão de citações e de retomadas? Isso não conforta cada qual em um universo “antológico”, mais do que permite descobertas singulares? E qual seria hoje o valor de tais descobertas se elas permanecem mergulhadas no fluxo promocional que cerca toda atividade cultural?
4 - Terá o tempo da imagem estática sido substituído pelo tempo do instante e da simultaneidade em sucessão? Como se dá essa relação?
GT 2 – Artes urbanas, Arquitetura, Performance
Mesmo a arquitetura é uma arte do tempo. Brasília corresponde a uma visão hoje datada e que deve se adaptar às transformações do mundo atual: os bairros concebidos para se levar uma vida de proximidade e relativamente simples foram impactados pelo enriquecimento, pela especulação imobiliária e pelo grande número de carros. A comunicação digital cria, presentemente, uma cidade virtual de múltiplas possibilidades. Em contraponto, as funções coletivas inicialmente concebidas, as representações simbólicas de um “comum’, foram parcialmente esvaziadas de seu sentido. Mesmo o “Congresso Nacional” parece ter se tornado o lugar conflituoso onde se chocam interesses privados, até mesmo pessoais, no lugar de encarnar o Bem comum e de representar a sociedade. Daí nossas questões:
1. Como a cidade contemporânea assegura uma representação do que pode ser comum entre seus habitantes: devemos nos resignar a uma solidão individualista como o destino de nosso tempo, ou dispomos de respostas e de alternativas?
2. O domínio do fluxo em nossos modos de vida permite ainda ao público fixar a atenção nos espetáculos, representações teatrais ou performances além de uma mera necessidade de relaxamento e de momentos de superficialidade? Como as intervenções culturais podem propor reflexões a propósito dos modos de vida coletivos?
3. A perda de referências devido à globalização nos obriga a viver em um espaço-tempo imaginário feito de imagens de atualidades e de séries de televisão de grande difusão? Como elaborar reflexões e pensamentos pessoais nesse contexto? As expressões corporais – performances, tatuagens, selfies – são um recurso diante da anonimização de nossas vidas?
4. Uma paisagem é um estado de alma [dizia Goethe]. Podemos dizer que cada espaço urbano engaja uma dinâmica perceptiva através dos tempos?
GT 3 – Cinema e Literatura
1. Como articular o tempo da criação narrativa ao tempo dos espectadores e dos leitores? Durante seu primeiro século, o cinema aparentava-se com os espetáculos vivos – teatro, circo, pantomima, marionetes. Estaria ele se aproximando, há uns 20 anos, das práticas de leitura privadas: pode-se visioná-lo em lugar privado, cujo tempo pode ser fragmentado como se faz com a leitura de um romance?
2. Quais efeitos o acesso de todos a uma multiplicidade de conteúdos digitais produz sobre a escrita literária e a escrita do cinema, assim como de outras criações audiovisuais?
3. Como a fragmentação das vidas contemporâneas é mostrada pelos autores e roteiristas atuais? É isso que explica o florescimento de criações transmídia?
4. O caráter de realidade do tempo fílmico (o tempo físico da projeção) seria o principal fator de diferenciação do tempo da narrativa literária (tempo do criador, da ficção e do leitor/expectador)?
5. Pode-se afirmar que o tempo tem relação intrínseca tanto com a literatura quanto com o cinema? No cinema, a relação com o tempo passa, mesmo que indiretamente, por todas as teorias e práticas da narrativa e da montagem (J. Aumont sugere pensar o tempo a partir de 03 tipos principais – o tempo como medida, como experiência e categoria). Na narrativa literária, segundo Lukacs, “seu curso não entravado e ininterrupto é o princípio unificador da homogeneidade que pule todos os fragmentos heterogêneos e os religa”.
GT 4 – Narrativas de mídias eletrônicas
1. Se as categorias da experiência temporal permitiram pensar as criações artísticas e intelectuais (presente, passado, futuro; memória, narrativa, imaginação; imagens, símbolos, metáforas), seriam as criações digitais contemporâneas uma fusão dessas dimensões em uma forma “unitemporal” ditada pelas lógicas próprias das telas?
2. Nossos traços digitais dizem quem somos – e, às vezes, sem que sequer saibamos. Como pensar um universo tal em que a vida privada não mais existe e que nossa presença digital nos confere uma identidade mais estável do que nosso próprio espírito pode assumir subjetivamente?
3. Multimídia, realidade virtual, transmídia, inteligência artificial... Tudo isso constitui nosso mundo imersivo, a própria realidade que devemos pensar; ou ‘o mundo’ conserva uma efetividade qualquer?
4. Podemos vincular essas evoluções à relativa diminuição das lutas sociais e do engajamento político contemporâneo?
5. Muitas pessoas passam grande parte de seus dias conectadas a mídias eletrônicas, sempre entretidas em jogar, assistir, ler e mandar mensagens. Qual o tempo desses usuários/espectadores/leitores?
Coordenação Geral do Encontro Profa. Dra. Junia Barreto
Comitê Científico Prof. Dr. Ciro Marcondes (UniPROJEÇÃO) Prof. Dr. Gérard Wormser (Sens Public) Profa. Dra. Junia Barreto (UnB/IL/TEL)
Realização: Núcleo de Pesquisas e Realizações TELAA Telas Eletrônicas, Literatura e Artes Audiovisuais http://telaa.com.br/index.html